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Brasília, capital da esperança

É de um certo Capitão Furtado a letra do hino de Brasília, que afirma ser Brasília a capital da esperança – a oitava maravilha do mundo. Segundo o autor, a construção da cidade desperta o gigante brasileiro, e anuncia ao mundo inteiro ser aqui a capital da esperança.

Para quem chegou a Brasília em 1962, com dois anos de idade, a questão era apenas viver – nem mesmo conhecia outra realidade, exceto a vida em Belo Horizonte, em função das seguidas viagens para conviver com a família que ficou na cidade na qual nasci – havia muito pouco o que se fazer por aqui. A infância na SQS 308 era muito agradável, com dezenas de crianças se divertindo diariamente nos grandes espaços entre os prédios, nos parques, nas escolas. Em especial, a Escola-Parque, ao lado do meu prédio, não era bem uma escola, mas um mundo de diversões e atividades agradáveis.

Não entendíamos muito bem as greves e manifestações na UnB, e nem mesmo perseguições que policiais faziam a alguns estudantes. Certa vez, da janela do terceiro andar do bloco C daquela superquadra-sonho, vi três jovens correndo, perseguido por policiais que acabaram disparando um tiro contra eles. Houve um grito de mulher, mas nunca fiquei sabendo o que de fato ocorreu.

Quando eu mesmo entrei na UnB, vi-me envolvido naquele universo de reuniões de estudantes, policiais disfarçados e palestras nas quais não se podia dizer nada e mesmo assim tudo era dito. Lembro-me bem do Mino Carta falando para nós. Na época, a revista Veja tentava ser um bastião da resistência contra o regime militar, ou algo assim, denunciada constantemente por Amaral Neto, o repórter.

Brasilia continuava a ser a capital da esperança.

Participei ativamente das manifestações pelas Diretas Já, e, depois, de todos os eventos precursores da volta à democracia. Sentados ao lado de fora do Congresso Nacional, escutávamos com grande expectativa a transmissão ao vivo dos votos no colégio eleitorial, que consagraram Tancredo Neves nosso presidente.

O que se seguiu nos anos seguintes faz parte da história lembrada até mesmo pelos jovens. E, mesmo quando a esperança tinha, aparentemente vencido o medo, verificamos que se tratava de mais uma grande frustração para todos os esperançosos sonhadores.

Ao mesmo tempo em que se normalizava a vida democrática – com a materialização da nossa esperança continuamente adiada – víamos o desmonte da cidade. Sucessivos governos que foram levando a cidade para caminhos nunca imaginados, explorado por gente inescrupulosa que dela sugou tudo o que pode, deixando-a mutilada. O triste cenário de calçadas quebradas, asfalto esburacado (seja por causa da chuva, seja por causa da ausência de levantamento dos bueiros), sujeira espalhada é apenas o complemento da falência dos serviços públicos essenciais, como saúde, educação, transporte e segurança.

Em contato com algumas das autoridades mais importantes da cidade no dia de hoje, ouço lamentações que jamais poderia sonhar que ouviria. Tristeza e desesperança. A narrativa das negociatas é sempre acompanhada de uma total descrença na possibilidade de que esse cenário mude.

Não existe mágica, ou caminho fácil. A única saída, a meu ver, passa necessariamente pela mobilização popular, em três momentos: debate intensivo e participação ativa; fiscalização das ações dos gestores públicos; e mobilização eleitoral. A esperança se mantém viva em alguns sonhadores, mas está cada vez mais difícil acreditar numa redenção fundamentada em figuras públicas messiânicas. Se não for a partir da intensa mobilização popular, o que virá com certeza será ainda mais sombrio.

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