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Erundina, a zelota

Maluf é o decano da corrupção no País. Não que ele seja um campeão do desvio de recursos públicos. O folclore que cercou suas administrações como governador de São Paulo e prefeito da capital do Estado versava sobre percentuais. As anedotas contadas sobre ele sempre continham a informação de que ele tinha embolsado 10, 20, 30% do valor das obras que tocou, o que é a lógica da corrupção dos primórdios da administração pública que se inaugura com o regime militar na década de 60.

Se o desenvolvimento dos métodos de desvio de recursos públicos deixou a prática malufista obsoleta, por outro lado ele ainda é o campeão da desfaçatez, superando crias como Marconi Perillo e Agnello Queiroz. Ainda é insuperável seu desempenho à frente das câmeras afirmando que era sua assinatura no documento que comprovava a existência de suas contas bancárias no exterior, mas que nunca tivera tais contas. Perillo e Agnello precisam evoluir ainda um pouco para chegar ao desempenho do primeiro mestre.

É certo que José Sarney, Fernando Collor, Antônio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e novel Demóstenes Torres se mostraram muito mais sofisticados e competentes no desvio dos recursos públicos do que Maluf. Marconi Perillo e Agnello Queiroz também, e mais uma infinidade de outros nomes que vão aparecendo e se multiplicando de forma muito rápida. Mas Maluf permanece o campeão do cinismo e do descaramento, título que dificilmente perderá.

É nessa linha que se pode compreender o basta que Erundina deu: “ou Maluf ou eu”. Como Maluf apertou a mão de Lula, Erundina se foi. Talvez Erundina fosse capaz de compor com alguns desses nomes acima mencionados, talvez até mesmo com Kassab. Na aliança construída por Haddad (por Lula, na verdade), por certo existem pessoas com a mesma folha corrida que Maluf apresenta, talvez até gente muito pior do que ele. Porque então esse zelo extremado de Erundina?

A cena política hoje abriga três tipos de políticos: o pragmático puro, o pragmático público privado e o zelote. O zelote acredita em valores, e na santidade do dinheiro público – é um sobrevivente político dificilmente alçado à gestão administrativa. O pragmático puro acredita no messianismo partidário e pessoal, e aceita o usufruto da coisa pública em benefício do projeto messiânico. O pragmático público privado se utiliza de todos os meios para permanecer no poder e também dele se beneficiar.

Erundina é uma zelota, o tanto que alguém que passou pelo governo de um Estado pode ser, ou seja, tem suas máculas.  Lula, que inicialmente praticava o pragmatismo puro, parece estar em rota de transição para o pragmatismo público privado. Maluf é essencialmente um pragmático público privado, nunca fez transição alguma.

Erundina, apesar de zelota, não é ingênua. Em seu governo, com certeza engoliu muitos sapos, assim como faria na vice-prefeitura ao lado de Haddad. A questão é que Erundina sabe que mesmo o pragmatismo deve ter limites. Se Maluf hoje pode ser considerado mesmo um iniciante diante de ases como Perillo e Agnello, ele ainda representa, de forma inigualável, a imagem mais abjeta da corrupção. Erundina seria capaz de dar as mãos a 40 ladrões, mas dormir na cama de Ali Babá ela entendeu que seria demais.

Lula, por outro lado, se é que ainda tinha algum limite, deixou claro que não os tem mais. De uma descendente que começa com Alfredo Nascimento, passa por Sarney, Barbalho e Collor, o passo seguinte inevitável seria Maluf. Não que já não tenham estado do mesmo lado antes. Mas, a aliança em torno de São Paulo é extremamente simbólica. É dali que surge o conflito petista tucano que condenou o Brasil à completa confusão ideológica em que vive hoje. É ali que o petismo desce o último degrau do pragmatismo para a conquista do último bastião tucano, numa sede de poder insana.

Lula e o PT estão cometendo um erro estratégico de grandes proporções. Dominar a política brasileira como estão fazendo é um equívoco sem tamanho. Deveriam deixar o PSDB em São Paulo para manter o inimigo vivo. Quando o PSDB minguar definitivamente, e isso logo vai ocorrer, o PT não vai ter mais adversários (não que o PSDB de fato seja  um inimigo, mas o PT tem a habilidade de fazer com que pareça). E essa será sua pior desgraça, pois a existência de um inimigo externo ainda é capaz de produzir alguma coesão interna entre os diferentes.

Erundina está certa ao não engolir a figura abjeta de Maluf – existem limites. Lula mesmo na perspectiva do pragmático público privado está cometendo um erro que vai custar caro ao PT e ao País, que é a busca do domínio político absoluto, numa pseudodemocracia, que deixou de sê-la por falta de oposição.

Maluf não representa nenhum grande risco para qualquer projeto político, quanto à corrupção que pode praticar ao dominar alguns caixas na administração paulistana. Não fará nada pior do que os demais integrantes do governo. O mal maior que ele faz é relegar ainda mais ao ostracismo um dos últimos bastiões da moralidade na política brasileira, a zelota Erundina, e tornar mais viável o completo domínio político do PT sobre o País.

 

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